A vidraça enegrecida fita-me de volta. Lá fora, Lisboa quase adormecida recolhe as garras. Nas pontas dos meus dedos, as teclas ásperas do costume ronronam.
A vidraça fita-me. Nela, o rosto latino de uma jovem olheirenta surpreende-me.
Saltam-me as vírgulas, os pontos e as palpitações cardíacas. O sentido… a lógica… a lógica esvai-se.
A deriva contamina a minha respiração, que acelera. Sem aviso, a calmaria acostumada abandona-me: em meu redor uma total escuridão.
“Despaixão”: sentimento de não se estar apaixonado pela vida ou o sentimento de estar completamente pronto para partir, deixar o peso, as lágrimas iminentes, a overdose de tarefas e realidade, de mundos.
Reviro-lhe o cabelo, pisco-lhe os olhos. Ela sorri-me, triste. “Amor, que se passa? Porque estás tão triste?”, suspira-me ao ouvido o amante da minha vida.
Beijo-lhe a superfície fina do nariz, declarando-lhe a paixão mais sincera que a minha alma consegue suportar.
Nas veias, o sangue lânguido arrasta a carne e magoa-me.
O sentido? A lógica… o valor, esse, desaparecido.
Depois, a incompreensão da vontade de deixar a oportunidade dá lugar à perfeita tentativa de inexistir. O escuro seduz-me. A calada da noite beija-me os lábios… o cianeto da vivacidade vai obstruindo a minha leveza, corre-me a ligeireza.
As tardes de ócio total e linhas saltitantes deixam-me saudades. As manhãs de saúde gritam por mim. Afinal, que é feito de mim?
Um dia, olhei-me ao espelho repleta de orgulho. Olhei-me duramente, sorrindo o contorno esculpido das minhas ancas, a camisa passada a ferro da minha promessa, os lábios desnudos do meu amor.
Depois, deixei-me negligenciar e transformei o compromisso na terra vã cheia de erros, falhas, lacunas, golpes, insuficiências, desequilíbrios…
Catarse, é disso que preciso.
Deixo a bagagem à porta. Expiro. Pela pena, a salvação. Estou melhor. Obrigada. Coro.