A Internet é um vício ou a nova natureza humana

Hipnotizados pela força inalienável da Internet, discorremos meio vivos pelos dias passados entre mundos. Poucos são os que, ainda, resistem ao ciclo mortífero da adição digital. Está a salvo?

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Exausta de mais uma noite arrastada pela luz azul do meu telemóvel, prometo extinguir estes velhos hábitos.

“Uma hora de Youtube. Três verificações de email. Dois cliques nas redes sociais. Duas leituras dos jornais. E só!”, escrevo eu, no pequeno pedaço de papel colado em frente à secretária, onde, minutos depois, esgoto muitas destas quotas.

Entre entrevistas, crónicas e narrativas dignas de toda a minha atenção – embora mesmo neste ponto tenda a exagerar consideravelmente – lá chego eu ao inevitável canto [escuro] da Internet, onde, há uma e meia da manhã, Cumberbatch imita Rickman ou mesmo uma lontra.

O desejo cerebral por novidade, estimulação constante e gratificação imediata cria um ciclo de adição“, escreve Tony Schwartz, no The New York Times.

Mais vezes do que aquelas que gostaria de admitir, antevejo essa toca infindável da querida Alice sem conseguir impedir a queda.

Resta-me, por isso, concluir que esse objecto (leia-se universo) pensado, um dia, como prótese se tornou num irremediável órgão vital à nossa própria existência.

O meu detox digital – esse que corrompi no próprio momento em que o desenhei – estilhaçou-se entre a vontade de divulgar o que escrevera no dia anterior e a necessidade de me manter a par das dezenas de meios de comunicação que povoam o meu quotidiano.

Hoje, parece-me, pouco nos resta para a concretização efectiva desse humano-robot outrora idealizado tal é a irreversibilidade dessa ligação ao dispositivo que nos alimenta do primeiro ao último minuto do dia.

Não me recordo da última vez em que pisei a rua desprovida desse instrumento precioso. Estou sozinha?

Mas tenho a certeza de que, se o fizesse, metade da minha existência estaria certamente em pulgas por um raio dessa luz informativa que nos faz sentar nos mais maravilhosos momentos a contemplar o quintal virtual do vizinho.

Vivemos uma cultura que pelo orgulho do multitasking se deixou cair na patologia da distracção compulsiva.

Sobrevivemos às tarefas árduas da missão que é ser humano para conquistar uns minutos livres nesse passeio digital, onde acabamos por desperdiçar horas jamais recuperáveis.

Estaremos ainda a tempo de respirar algum ar fresco ou será esta prisão contemporânea uma mutação inevitável da sociedade de vigilância que, há centenas de anos, andamos a prometer?

Sem certezas, fito com vergonha essa nota colada abaixo do meu calendário.

Todas as manhãs, olho-a de relance para ter a certeza de que reconheço a doença, mesmo antes de mergulhar na primeira das muitas doses de informação desse dia…

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