Que será de nós? A emigração pode ser um instinto

Quinze anos encalhada num sistema manipulador e na iminência de me ver livre dessa mão bem visível, começo a sentir o coração acelerar face à deliciosa hipótese de viver a miséria longe destas quatro paredes de conformismo. A emigração pode ser um instinto? Eu sempre a pensei assim.

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Deitada sobre as camadas infinitas de cobertores, congeminava os dias adultos que irritavam ao tardar.

Na qualidade vítrea das minhas retinas, milhares de imagens corriam sem cessar. Aos 13 anos, o meu futuro era um plano perfeitamente estruturado sem margem para desvios. Ou assim pensava eu.

Depois, derreteu-se a fúria adolescente, metade da minha loucura e uma grande parte da eterna presunção de quem conhece cada passo a tomar até ao tremendo sucesso projectado.

Não é que os meus desejos se tenham tolhido de forma tão automática que me tenha percebido, do nada, perdida no centro do oceano.

A verdade é que, na euforia da preparação para a idealizada fase seguinte, fui esquecendo esse monumental plano de acção e hoje, no meio do Atlântico (literalmente), entre a origem, a escolha e um espírito insano de aventura, quase que arrisco um afogamento.

Correr atrás dos seus sonhos transforma-se numa caça doida à incerteza“, escreve Maxie McCoy.

No primeiro Janeiro que passei entre casas e aeroportos, sentei-me no confortável voo da manhã, livre de qualquer companhia, e aproveitei o delicioso presente que são os raios solares deste imenso céu  português.

No meu colo, escrevi a naturalização de um sonho e o vazio que sentia perante essa possibilidade esmagadora relativa à qual eu tinha menos do que zero certezas.

Levada a Lisboa por um ego que já não era bem o meu, segui uma teimosia que sabia ser um amor de longa data – o jornalismo – sem reconhecer no passo seguinte qualquer traço distinto.

“E agora?”, pensei eu aos berros comigo própria, sem saber o que fazer com esta imensa paixão sem forma para lá de um estudo empenhado.

O pânico, essa reacção monstruosa que se imbui em quase todos os grandes momentos é, caros leitores, uma artimanha útil, mas precipitada.

Hoje, perdida 80 por cento do tempo e com o grave sentimento de estar a perder parafusos a um ritmo assustador, discorro sobre os dias, já mais certa de que caminho seguir.

É pena, porém, não poder recuperar essa estratégia popular que um “eu” mais novo planeara com tanta convicção.

Mas que sabia eu de mercados sobrepopulados e vontades tresloucadas de emigrar?

“Perseguir a incerteza é viver ao máximo. Ser totalmente livre. Estar completamente assustado e, ainda assim, maravilhosamente bem”, prossegue McCoy.

Cá por mim, contaminada pela patologia do risco, do arrojo e do acaso, estou a preparar as malas para o que este amanhã não tão distante trará.

A um semestre e meio do final de tudo o que o sistema preparou para mim, nesta primeira fase, contemplo com preguiça a caça ao lugar precário que esta nação me pode oferecer.

Pesa-me o coração – não me entendam mal – ter de esticar a ligação ao meu próprio sangue, mas pouco mais me poderia manter aqui, quando no meu pulso já se começa a sentir as vibrações de um mundo muito maior do que este pequeno quintal de coligações indecisas e eleitores esquerdistas vestidos de centro-direita.

As minhas teorias sobre Portugal são prolíferas. Talvez um dia vos ouse contar.

Por agora, corro atrás do desafio e da peripécia de viver numa pobreza severa que, embora motivada pela mesma profissão, me iluminará a eventual estrada até ao topo de seja lá aquilo que nesse dia decidir conquistar.

Para ouvir: Shower de Becky G

8 pensamentos sobre “Que será de nós? A emigração pode ser um instinto

  1. Gostei muito deste teu “pensamento”. Realmente sempre te vi como uma pessoa que tinha tudo planeado ao pormenor. Mas acho que é inevitável sentirmos que temos de imigrar se queremos ter sucesso a um nível consideravelmente alto. Não que Portugal seja mau, afinal é a nossa terra, mas temos sede de mais. E essa sede não é saciada pelo nosso país, infelizmente.
    Quanto mais perto chega o final dessa etapa universitária , mais penso no passo seguinte. Mas também aprendi, que o planeamento não deverá ser uma solução para se seguir às cegas.
    Pensas Imigrar? Londres ainda chama por ti?
    Beijinhos Sónia

    P.S: deste-me vontade de escrever sobre o assunto 🙂

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    1. Parte de mim quer encontrar um estágio numa redacção em qualquer parte deste mundo e partir à aventura… Afinal, sempre foi essa a minha vontade.
      Esse sentimento de liberdade que o final da licenciatura tende a gerar pode ser assustador, mas, ultimamente, tenho sentido que, se conseguir, vou experimentar a precariedade lá fora antes de cá voltar ahahah Londres é um destino caro, mas veremos até onde nos leva o futuro.

      Obrigada pela visita 🙂

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      1. Minha cara,
        o sentimento é mútuo. Acho que mais do que nunca, tenho estado à procura de estágios e emprego no jornalismo lá fora.
        De nada 🙂

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